Se uma parcela, apenas uma, dos livros didáticos, fosse
escrita com a leveza e profundidade dessa obra, a meninada adoraria
estudar. Jorge de Sá, autor do livro,
transpira talento. Na época era professor de Literatura Brasileira da
Universidade Federal Fluminense e crítico literário do Jornal do Brasil. O cara
não só escreve a respeito da crônica, poetiza o tema. Leva-nos a percorrer os encantos
desse gênero literário. Alguns excluíram-na dessa definição. Não são muito
espertos.
Considerada um gênero menor, Jorge de Sá eleva a crônica à
condição de célula mãe da nossa Literatura. A carta de Pero Vaz de Caminha é o
documento vital dessa afirmação. Uma
definição incabível, dirão os arianos dos
gêneros literários. Então, vejamos:
“Indiscutível, porém é que o texto de Pero Vaz de Caminha é
criação de um cronista no melhor sentido literário do termo, pois ele cria com
engenho e arte tudo o que ele registra no contato direto com os índios e seus
costumes, naquele instante de confronto entre a cultura européia e a cultura
primitiva... A verdade da crônica é o instante.” – escreve o autor.
Chama a atenção para o fato da realidade – conforme a conhecemos,
ou como é recriada pela arte – ser feita de pequenos lances.
“Estabelecendo essa
estratégia, Caminha estabeleceu também o princípio básico da crônica: registrar
o circunstancial. “” – ensina-nos.
E finaliza: “Nossa literatura nasceu, pois, de uma circunstância.
Nasceu da crônica”.
Jorge de Sá mostra-nos que ela dirige-se a um público
determinado. E disseca a questão: “Mas
que público é esse? Sendo a crônica uma soma de jornalismo e literatura (daí a
imagem do narrador-repórter), dirige-se a uma classe que tem preferência pelo
jornal em que ela é publicada (só depois é que irá ou não integrar uma
coletânea, geralmente organizada pelo próprio autor)...Daí a necessidade de
transferi-la do jornal para o livro. Nessa transposição, é claro que o escritor
está buscando fazer da tenda precária e cigana uma casa sólida e mais
duradoura.”.
Essa ritualização encena uma série de detalhes e é uma das
suas características. No jornal, tropeça no limite dos espaços disponíveis.
Então, deve ser escrita da maneira mais breve possível. “É dessa economia que
nasce a sua riqueza estrutural.” – explica-nos Jorge de Sá.
Os tipos urbanos povoam a crônica, diz ele. Cita um trecho –
entre muitos - de uma crônica de Fernando Sabino: “Não estamos sós”.
“...Sabino nos fala da solidão de dois amigos que se
embebedam apoiados no jogo da linguagem:
a dipsomania - impulso periódico e irresistível pelo álcool - existe quando a pessoa bebe sozinha, e , como os
dois estão juntos, poderão curar a ressaca bebendo outra cerveja. A partir do
título da crônica – ‘Não estamos sós’ – o escritor brinca com as palavras,
exatamente para mostrar a solidão disfarçada em etílica (alcoolizada) solidariedade.
Que também traz em si um pouco de poesia. Afinal, o poeta que vive bebendo
pelos bares da cidade, alongando o caminho de volta para a casa, é outro tipo
urbano”.
Remete-nos a outras crônicas: “Ladainha”, de Lourenço
Diaféria, por exemplo: “Dizem que vão faltar os fatos, todo mundo corre a
procurar boatos. Agora: quando dizem que vai faltar vergonha, ninguém se toca.
Está todo mundo acostumado”. Apostando que o diagramador deste jornal possa gostar
de crônicas, vou arriscar mais alguns centímetros quadrados. Convido-o a ser
meu cúmplice. Mas não me diga: - A crônica não é uma prosa rápida? Lourenço Diaféria – ainda na crônica
“Ladainha”- revela, segundo Jorge de Sá, a sua relação com a cidade de São
Paulo: “Tal conhecimento se adquire lentamente, porque a cidade – esta cidade
de que o editor quer que eu fale – se entrega aos poucos, dificilmente de todo,
e só após muita convivência e muita paquera é que ela realmente se abre em
dengos e carinhos. E como é caprichosa!”. Cá pra nós: é um dos gêneros mais
lidos. Os que a discriminam como um gênero menor, querem o quê ?
Relembrando: “Nossa literatura nasceu da crônica”.
(Augusto Aguiar – 27/10/2012)
Relembrando: “Nossa literatura nasceu da crônica”.
(Augusto Aguiar – 27/10/2012)
E-mail para contato: augusto-52@uol.com.br
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