Regina Baptista, uma escritora indispensável.
Quem
lê o "Fausto", de Goethe, poema de atualidade
indiscutível por ser permanentemente atual, deduzirá - pelo perfil do seu
autor - que foi escrito quase num tom de autobiografia. Diante disso, há duas
outras constatações, entre muitas. A primeira, a de que Goethe só não foi atual
em sua época em função de estar muito à frente dela. Independente disso, a obra
fez sucesso. Fecundou, a exemplo de Jung, uma espécie de arquétipo, creio eu.
Mas com uma diferença: através de uma genética literária própria.
A
segunda, implica em dizer que Goethe foi um Dante da época
moderna. É preciso destacar que cada caso é um caso. Dante, ao contrário
de Goethe, incorpora os pensamentos do homem medieval. Otto Maria
Carpeaux - ensaísta, crítico literário e jornalista - definia ambos dessa
forma.
Quem
lê "Ato Penitencial", da escritora Regina
Baptista, terá a constatação no que concerne à atualidade do tema. Lançado em
2011, o livro sugere
um Fausto - personagem do romance - mais subjetivo, psicológico.
Nessa
tarefa fáustica, na qual o leitor se ambienta logo de início, a autora retoma o
mito em um embate discursivo entre padre Fausto e Asmodeu (Mefisto, a entidade
do mal, em outros autores) pela assinatura de um pacto em troca de compensações
irrecusáveis. A
autora administra pacificamente o protagonista, um personagem religioso - padre Fausto - com elegância e ética.
Natural de São Joaquim da Barra,
nascida em 16/06/1968, Regina Baptista mudou-se, ainda criança, para Bonfim
Paulista, distrito de Ribeirão Preto, onde reside atualmente.
A sua formação acadêmica se deu na
área de Ciências Sociais-Unesp de Araraquara.
Ela é filiada à União Brasileira de
Escritores, participa de todas as Feiras do Livro de Ribeirão Preto, tendo,
inclusive, ministrado palestras.
Na entrevista que concedeu ao Blog,
Regina Baptista expôs com bastante clareza as dúvidas do entrevistador. Ela
fala do entrelaçamento do seu livro com os de autores que escreveram sobre Fausto,
conceitua o perfil do personagem nas condições no mundo atual, o sentido do título,
a sua tendência diante de hipotética possibilidade de estar no papel de uma
escritora que escreveria sobre Razão e Fé, opina sobre as vantagens e
desvantagens do escritor ao editar uma autopublicação ou ser contemplado por
um selo editorial: publicação sob o custo, revisão, comercialização, etc., por uma editora consagrada.
Avalia quem
está a serviço da escrita, a Literatura ou a Psicanálise? Discorre e define a
sua preferência por um Prefácio ou Prólogo, Literatura Americana e a Semana de
Arte Moderna-1922.
Faz comparações de imaginários pontos de vista entre Amosdeu, personagem de “Ato Penitencial”, e um
político. Por último, entre Fernando Pessoa e Paulo Coelho.
O seu histórico literário é
produtivo. "Cárcere Privado" (2007), gênero novela, uma
narrativa escrita com sensibilidade, narra a história de um homem em
cativeiro.
Em decorrência dessa realidade, é
acometido por devaneios e alucinações.
"Mundo Suspenso" (2009)
leva-nos a uma série de micro-contos , narrativas breves e compactas, que
potencializam o cotidiano.
"Ato Penitencial" (2011)
. Em 2012, publicou contos na revista masculina "O Homem
Exposto", edição própria.
Quero cumprimentá-la pelo excelente
livro, "Ato Penitencial". Em relação a ele, ofereço-lhe a mensagem da
imagem abaixo. Ressalvo que todas as suas produções literárias são dignas de
elogios.
ENTREVISTA
De todos os Faustos míticos que conhece, qual deles faz a melhor aliança com o de "Ato Penitencial", livro de sua autoria?
FERNANDO PESSOA |
De que forma conheceu o livro “Fausto: Tragédia Subjetiva”, de Fernando Pessoa?
Descobri o livro
"Fausto: Tragédia Subjetiva", de Fernando Pessoa, que citei na
entrevista... É uma curiosidade que gostaria de compartilhar com você, Augusto,
e com outros leitores... Por incrível que pareça, achei um volume desse livro
num amontoado de papéis, agendas velhas, listas telefônicas e revistas
antigas. Alguém deve ter feito uma limpeza em casa, colocou essas coisas num
saco e deixou para o lixeiro levar. Mas algum catador de papéis abriu o saco,
despejou a papelada na praça José Jacques para pegar algo que lhe interessasse
e deixou o resto lá. Eu fui passando e vi aquele aquelas coisas. Nem acreditei
quando vi um Fernando Pessoa no meio daquilo tudo. Peguei, limpei a capa e o li.
Na pele de padre Fausto, personagem do seu livro, você faria uma aposta ou um pacto com Amosdeu?
Para a condição humana, expressa nas artes, principalmente a literatura, esse pacto tem um significado muito complexo e ao mesmo tempo provocativo, porque envolve as fragilidades do ser humano, a ideia da Queda, a ideia da consciência sobre nossa condição num mundo pós-moderno, a solidão sartreana...
Sob a perspectiva da solidão sartreana, o ser humano na sociedade contemporânea fica no contexto de "ser alguém" ou de "estar alguém?
Acho que “ser” e “estar” se aproximam muito ou se confundem. Isso porque o Homem deste começo de século, a meu ver, possui referências múltiplas de SER. Com a revolução nas Comunicações, as pessoas têm acesso a padrões que elas buscam adotar. Eu não diria que se trata de estereótipos, mas tipos que as pessoas tomam por ideais.
Qual a sua cor preferida?
Quase todas as minhas roupas são pretas, então acho que inconscientemente minha cor preferida é a preta.
A cor preta usava-se, entre outras finalidades, como penitência. No seu livro, "Ato Penitencial", pressupõe-se pela narrativa que o título não tem conexão com o Ato Penitencial proposto pelo Rito de Entrada da missa católica: olhar para dentro de si mesmo e reconhecer os pecados praticados. Sob a ótica do pensamento conceitual, há coerência na afirmativa acima?
A cor preta usava-se, entre outras finalidades, como penitência. No seu livro, "Ato Penitencial", pressupõe-se pela narrativa que o título não tem conexão com o Ato Penitencial proposto pelo Rito de Entrada da missa católica: olhar para dentro de si mesmo e reconhecer os pecados praticados. Sob a ótica do pensamento conceitual, há coerência na afirmativa acima?
Para ser franca, eu sempre vivi a dúvida sobre esse título. Algumas vezes achei-o inadequado para o que eu queria transmitir porque o “ato penitencial” da liturgia católica é um momento comunitário, de sentimento partilhado. No caso do meu Fausto, seu drama se caracteriza pelo processo solitário com que ele lida com o passado: a morte do pai, seu sentimento de culpa, a obediência à mãe, as renúncias feitas em nome da felicidade da mãe...
Em qual dos seus livros é possível estar com você e a obra?
FEIRA DO LIVRO 2013
REGINA BAPTISTA EMNOITE MEFISTOFÉLICA |
Na prosa, ao menos no meu caso, os personagens, a linguagem, as histórias, por muito que tenham de mim, são agentes distanciadores. Neles eu me afasto do leitor para dar espaço ao que a realidade vai mostrar através da ficção.
Quando escreve, o escritor está em um mundo recortado do cotidiano. Deixa o mundo lá fora e entra num mundo maior. Não é uma fuga, mas o exercício da liberdade. Caso aconteça com você, descreva a experiência?
É impressionante essa liberdade porque nos transporta para os mundos interiorizados mas quase sempre protegidos da consciência. A escrita me ajuda a desvendar esses mundo, torna mais clara a concepção que tenho das coisas, mas que em sã consciência estão ocultas.
Sem incluir Ato Penitencial, de que maneira administraria os conceitos de Razão e Fé caso escrevesse um livro sobre o tema?
Acho que nos tempos atuais, no nosso tempo... razão e fé são dois conceitos que permeiam até o cotidiano. São infinitas as possibilidades de se tratar deles. Mas eu
continuaria com a escolha que fiz no Ato Penitencial: trataria da crise da razão.
A publicação custeada pelo autor tem sido uma alternativa para a publicação de livros; a coedição com patrocinador, outra; dividir o custo com a editora, mais outra. Por fim, essas são apenas algumas variantes. Cite as dificuldades e/ou facilidades para publicar os seus livros?
Alguma vez atingiu o limiar do disparo (aquele ato de chutar o balde) devido ao perfil de algum personagem seu ? Ou seja, ele não estaria se manifestando como você o projetou, parece querer a política da vida própria.
Há um bom tempo concluí que não adianta programar um personagem. No ato da escrita ele se revela e de certa forma dá a impressão de caminhar sozinho. Isso não me abala... O que me chateia é quando quero dar vida a um personagem e ele insiste em ser mecânico, sem pulso, sem força. Nesses casos, a narrativa até segue em frente mas de uma forma muito mecânica. Quando percebo que isso está acontecendo, acabo interrompendo a escrita.
Apesar da sua formação acadêmica em Ciências Sociais, transita pela Psicanálise. Levando-se em conta esse detalhe, dê a sua opinião:
A Literatura estaria a serviço da Psicanálise ou vice-versa?
JACQUES LACAN E FREUD |
Elas são grandes parceiras. O psicanalista e o escritor ganham mutuamente quando se cruzam. No meu caso, como escritora, a Psicanálise é um recurso importante para construir o personagem como indivíduo, enquanto que as Ciências Sociais me servem para ver o personagem como ser social, histórico...
Seguramente, até 1965, o vocábulo prefácio não constava nos verbetes dos dicionários literários. As enciclopédias Britannica, Larousse, Treccani e Brockaus - apesar de não serem especificamente de literatura - também não acolhiam o termo. A enciclopédia espanhola Espasa-Calpe toca ligeiramente, mas com foco no "Preafatio" da missa católica. Prefácio - apesar de algumas complexidades, seria a parte introdutória de um livro (obra) que recomenda-a aos leitores. Por outro lado, existe o Prólogo: modo que substitui o prefácio, explica a obra.
Qual desses dois tipos de introdução você recusa para os seus livros?
Eu não recusaria nenhum dos dois. Acho que em alguns casos é adequado usar o prefácio e em outros, o prólogo. No caso da prosa, considero o prefácio mais adequado. Mas é algo muito subjetivo.
Os Estados Unidos proclamaram a independência política; posteriormente, a literária. Surge a Literatura Americana em oposição à Inglesa (do colonizador). A nossa Semana de 1922 demorou a chegar?
Se a gente comparar a sociedade norte americana com a brasileira, penso que é preciso considerar o nível de autonomia principalmente econômica dos americanos, em relação ao Brasil. Nesse caso, talvez, os impactos históricos nas artes também acompanharam essa diferença de ritmo.
Em uma simulação, que pergunta um político faria a Asmodeu? E Montesquieu a um político?
A ideia do pacto faustiano, a meu ver, pressupõe uma consciência de que se está optando pelo Mal. Fausto possui consciência ética, por isso sua ação (o pacto) é trágica, é isso que faz dele um personagem trágico. No caso de um político sem ética o pacto perde essa conotação de relação com o MAL. A gente poderia dizer que o político sem ética encontra apoio n’O Príncipe, de Maquiavel, para justificar sua ação, ou seja, ele pode realmente pensar que age sem ética mas que isso é, de certa forma, “natural”. Para ser um típico Fausto o político teria que sofrer diante da consciência do seu crime, teria que sentir o peso da culpa, mesmo que alcançasse seus objetivos após esse crime.
Por fim, Fernando Pessoa a Paulo Coelho?
-Paulo, o que é realidade?Por fim, Fernando Pessoa a Paulo Coelho?
Créditos das Imagens:
-Fausto e Amosdeu: http://cleofas.com.br/
-Fernando Pessoa: Google
-Jacques Lacan e Freud: http://marciomariguela.wordpress.com/
-Regina Baptista: Página da escritora no Facebook
-Fausto e Amosdeu: http://cleofas.com.br/
-Fernando Pessoa: Google
-Jacques Lacan e Freud: http://marciomariguela.wordpress.com/
-Regina Baptista: Página da escritora no Facebook
Maravilhosa descrição da obra literária de Regina Batista,parabéns Augusto Aguiar. Regina Batista,seus livros são dignos de intercâmbios e sucesso.Luzia Madalena Granato
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