sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Mãe



Filho único, éramos apenas nós dois: minha mãe e eu. Na missa, ainda menino, quando apertava minha mão, ela pedia. Quando afrouxava, eu tinha a certeza de que seu estado de espírito previa a graça. Sempre em meu benefício, claro.

Certo de que a graça estava concedida, ficava disperso, olhando ao meu redor.  Numa dessa vezes, olhei a parede ao lado do altar. Nela, a aranha emboscou uma mosca. Depois do banquete, que não é o do roteiro do culto religioso, o aracnídeo curtia a preguiça. Sem necessidade do ato penitencial, pensava. Coisas de criança. Mas quando vou àquela igreja, olho aquela parede. Nem as aranhas, nem as moscas se extinguiram. Falta apenas a minha mãe, mesmo ainda viva.

Na mocidade, o meu quarto de solteiro sempre foi um local 
simples, mas muito bem cuidado por ela. Nele, idealizei vivências futuras cheias de glamour. No entanto, ao transitar por elas, percebi que a vida nunca me tratou tão bem como na época daquele meu quarto.

Adulto, convivi com dois cânceres em tempos diferentes. O primeiro, no crânio. O segundo, anos depois, no fígado. Neste último, fui salvo pelo transplante depois de conviver com sete tumores. Não foi fácil. Mesmo sem ter conhecimento do fato, minha mãe recebeu, por merecimento, a graça relativa à minha cura. Por extensão, eu fui o beneficiado (como sempre).

Diversas vezes, nos três anos que antecederam ao transplante, separei-me da minha mãe (89 anos) devido a algumas internações prolongadas em Ribeirão Preto. Nesse período, todas as noites, ela tinha um estalo e fazia com que meus familiares me ligassem. Falava comigo, perguntava-me quando voltaria. Eu mentia que estava viajando, que voltaria no dia seguinte. Ela acreditava e me abençoava.

Posteriormente, internado por causa do transplante, eu seguia mentindo, ela acreditando e me abençoando. Voltei, mas ela não sabe das cicatrizes imensas, decorrentes de três cirurgias de grande porte (incluindo a do transplante), que vincaram o meu corpo e, por extensão, a minha alma. Nem saberá. Prefiro que acredite que eu estava viajando. E que – caso viaje novamente – volto no dia seguinte...

Feliz Ano-Novo e ótimo Ano Novo, minha mãe.

Autor do texto: Augusto Aguiar
Crédito: Composição e interpretação de Carlos Colla.

3 comentários:

  1. AUGUSTO MUITO LINDO E NOS FAZ REFLETIR, FAZ EM INSTANTES DEIXARMOS DE SER ADULTOS E MADUROS SEGUNDO NÓS E A SOCIEDADE E VOLTAR A SERMOS CRIANÇA INOCENTES E FELIZES, E COM A IMAGEM DE MINHA MÃE SEMPRE EM TODOS OS LUGARES PRESENTES, QUE SAUDADE QUE ME DEU, FIQUEI EMOCIONADO E POR UM INSTANTE SENTI SUA PRESENÇA E SEU AFAGO EM MEU CORAÇÃO, AUGUSTO OBRIGADO......

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  2. Obrigado, Luiz Henrique. Um forte abraço e um 2017 maravilhoso pra você e os seus.

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  3. Feliz 2017 Augusto!!!Muita saúde! PAZ!!!Beijos em sua mãe tão querida!

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