Todos os anos, pouco antes do mês de agosto, a jabuticabeira do quintal daquela casa exibia uma belíssima e perfumada florada. Sinalizava a frutificação. Em breve, amadurecidas, as frutas se deixariam querer. Mas já terminava setembro. Com ele, a safra
dessa doçura de fruta, a jabuticaba. Por isso, a árvore estava quase toda depenada. A sete metros acima do
chão, o topo da copa ainda ostentava algumas que restaram.
Nesse cenário, Maria Eugênia berçava a primeira gravidez. Vivenciava aquela fase de vontades incontroláveis. Teve o desejo de provar um pouco das jabuticabas que estavam lá em cima. Mas com uma exigência: colhidas pelo próprio marido.
- Puxa vida! – ele exclamava.
Tomou coragem e entrou no assunto:
Marcos enfiou o rosto entre as mãos. Espantado, disse:
Com a fisionomia eufórica, Marcos, munido de toda documentação e acompanhado de Bertinho, foi ao encontro da esposa. Com sutileza, contaram a novidade.
Ela leu os documentos. Em seguida, imergiu em pensamentos. Depois, com calma profunda, disse:
Nesse cenário, Maria Eugênia berçava a primeira gravidez. Vivenciava aquela fase de vontades incontroláveis. Teve o desejo de provar um pouco das jabuticabas que estavam lá em cima. Mas com uma exigência: colhidas pelo próprio marido.
O cara, coitado, enfrentava uma
labirintite leve. No entanto, incômoda. Fez o sinal da cruz por uma, duas,
três, quatro vezes. Só não fez mais porque a mulher gritou:
- E aí, não vai subir? Só a criança é
quem demora nove meses pra nascer.
Disposto a não colaborar com a provocação, Marcos, esse era o nome dele, começou a escalada. Pensava: "Se eu cair e morrer, a criança não conhecerá o pai. Caso eu não morra, conhecerá um pai deformado; porém, caso não satisfaça o desejo de minha mulher, posso causar alguma sequela ao bebê". A certa altura, enfiado na copa da árvore, outra preocupação bateu forte: "Só faltava encontrar uma caixa de marimbondos pelo caminho". Felizmente, conseguiu colher as frutas e descer ileso.
Disposto a não colaborar com a provocação, Marcos, esse era o nome dele, começou a escalada. Pensava: "Se eu cair e morrer, a criança não conhecerá o pai. Caso eu não morra, conhecerá um pai deformado; porém, caso não satisfaça o desejo de minha mulher, posso causar alguma sequela ao bebê". A certa altura, enfiado na copa da árvore, outra preocupação bateu forte: "Só faltava encontrar uma caixa de marimbondos pelo caminho". Felizmente, conseguiu colher as frutas e descer ileso.
Retirou-as de um saquinho,
depositou-as no côncavo das mãos de sua mulher. De tanto que brilhavam, as
jabuticabas pareciam pérolas negras polidas. Estas, por incrível que pareça,
existem. Ao passar os olhos pelas jabuticabas e possuída pelos desejo
inusitado que a acometia, disse:
- Estas não, Marcos. Eu quero as que
estejam bicadas pelos passarinhos.
Há uma crença fundada na superstição
a respeito dos desejos das grávidas. As
vontades não realizadas trariam consequências à criança que vai nascer. E
o casal compartilhava dela. Temos aí uma deformação cultural que ainda vigora.
Três anos depois, Marcos e Maria
Eugênia curtiam felizes a espera do segundo filho. Desta vez, a coisa foi
diferente. O desejo dela não ficou atrelado a algo de
comer.
O desejo de Maria Eugênia, filha
única do casal Quinzinho e Marieta, foi além de tudo isso. Não
tivera um irmão, queria um.
- O que é isso? - dizia Marcos
- seus pais já morreram, querida.
- Eu quero um irmão, eu quero um
irmão. - passou a ser o discurso dela.
Esperto, o marido colocou-a em
contato com as religiões nas quais os fiéis se tratam por irmãos.
- Esses são irmãos de fé, assim não
quero. - rebatia.
- Puxa vida! – ele exclamava.
E pensava: “Em sua floração
(gestação), frutificação (parto), a jabuticabeira na qual colheu as jabuticabas
não deu nenhum trabalho. E, no mínimo, produziu mil quilos de jabuticaba
naquela safra.”.
O desejo de sua mulher estressava-o.
Após o trabalho, passou a chegar mais tarde em casa. Esticava o trajeto
de volta, ficava no bate-papo com os amigos. Em uma dessas vezes,
encontrou o Neneco, um colega de juventude. Famoso boateiro da cidade, ele
sabia de uma história importante, Ficou matutando em que tom sussurraria o fato
nos ouvidos de Marcos. Sempre tivera uma queda por Maria Eugênia, queria
livrá-la daquela situação que já era do conhecimento da cidade inteira.
Tomou coragem e entrou no assunto:
- Marcos, você é advogado. O que vou
contar não é calúnia nem difamação. Quero seu compromisso de que o assunto
ficará sob sigilo.
- Algo grave? - o outro perguntou.
- Algo nevrálgico, mas é necessário
vir à tona. - respondeu.
- De minha parte, sem problemas. -
disse o outro.
- Com relação à aparente
impossibilidade da realização do desejo de sua esposa
nesta gravidez, vou tentar
ajudá-los.
- Aparente? - perguntou o marido de
Maria Eugênia.
Neneco mandou ver:
- Houve uma saia - dona
Samira - entre seu Quinzinho e dona Martinha, seus sogros. Dessa relação
extraconjugal nasceu o futuro médico, Dr. Alberto Rebouças, o Bertinho.
Marcos enfiou o rosto entre as mãos. Espantado, disse:
- Não acredito.
O outro pormenorizou com detalhes
praticamente inquestionáveis. Apesar de boateiro, Neneco foi levado em
conta. O boato tinha contornos de verdade.
Àquela altura, todos os envolvidos,
com exceção de Bertinho, eram um bando de falecidos. Bertinho foi colocado a
par do assunto, concordou com o teste de paternidade e maternidade. Os corpos
foram exumados e o teste, consumado. Deu positivo. Repetiram o exame, deu
positivo novamente.
Com a fisionomia eufórica, Marcos, munido de toda documentação e acompanhado de Bertinho, foi ao encontro da esposa. Com sutileza, contaram a novidade.
Ela leu os documentos. Em seguida, imergiu em pensamentos. Depois, com calma profunda, disse:
- Ele não é irmão, é meio-irmão. Quero um irmão inteiro. Fração é assunto da Matemática.
Autor: Augusto Aguiar
Texto registrada na Agência Brasileira do ISBN (International Standard Book Number) - Ministério da Cultura - Fundação Biblioteca Nacional, sob número 978-85-63853-54-7.
Imagens:
Google.
Augusto, muito bom o texto.
ResponderExcluirE o final, melhor ainda, por não ser óbvio.
Parabéns.