terça-feira, 14 de novembro de 2017

Minha mãe : 1927-2017


Ainda criança, eu não entendia, mas tinha imenso fascínio pelo poder que minha mãe tinha para enfiar o mar dentro de uma concha para eu ouvi-lo. No momento certo, ela o tirou de lá e me ensinou o que aconteceria, daí pra frente, fora da concha.

Minha infância foi maravilhosa. Não por tudo o que tive nela, mas porque minha mãe, dona Clara, ensinou-me a buscar o que me faltava. Preparou-me  com mestria para embrenhar-me pelo cipoal dos desafios (por mais lenhoso que fosse).

Ainda menino, quanto mais alto minha pipa subia, a linha ficava com mais força. Com isso, antes do catecismo, aprendi que lá em cima há Algo com uma força inigualável. Quem empina pipa sabe disso. Quem não empina, já ouviu falar. Aqueles com raciocínio cartesiano não acreditam. Eu prefiro acreditar. Essa foi, entre milhares, outra lição que aprendi com minha mãe.

A exemplo de toda mulher, tinha uma queda pelas flores. Muitas vezes, na impossibilidade de um presente, eu colhia flores pra ela. Naquele tempo, minhas moedas ainda eram de chocolate, não davam para comprar nada. No entanto, o buquê de flores é um esteio emocional para quem o dá e para quem o recebe. Quando recebido de uma criança, adquire uma dimensão sagrada. Nessas horas, esse era o sentimento de minha mãe.

Ela faleceu no dia 10/11/17, às 16h28min. Na solidão do velório, durante a madrugada do dia 11, lembrei-me de muitos fatos, desde meu tempo de criança, que vivemos juntos.

Entre muitas coisas, lembrei-me desta passagem mais recente: “Quem é aquele homem que fica ali escrevendo o dia todo?” – ela perguntava nos últimos anos. Essa foi minha maior tristeza como escritor amador. E como filho também. Imaginava: “Quando teria sido a última vez que ela me olhou consciente?”.

Filho único, instaura-se em minha vida uma tristeza medular, maior do que qualquer outra: sua ausência física definitiva. A realidade exige a presença. Como a realidade ficou para trás, passo a conviver com as lembranças, ou seja, o tempo psicológico. Este é a sucessão dos estados internos de uma pessoa. Sendo assim, daqui para frente, quer seja durante o dia, quer seja durante a noite (na insônia de um adulto), ela estará em meu pensamento. 

4 comentários:

  1. Que maravilha de texto , Augusto. Voce conseguiu transpor em palavras a emoção de uma vida inteira em comunhão. Voce é o filho que toda mãe tem orgulho de ter . Parabéns. Não consigo inserir meu nome aqui , mas não sou anônima em nada do que faço. Um abraço. Fernanda Junqueira

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  2. Obrigado, Fernanda. Dê um abraço no Murilo.

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  3. Caro Augusto, linda sua crônica, sentimento de filho amoroso e com enorme gratidão, é o que vi. Parabéns.
    Muito obrigada pela visita no Das Artes. Tenho outro blog de minhas crônicas, poesias de seara alheia e variedades:
    http://taisluso.blogspot.com
    Um abraço!

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    Respostas
    1. Obrigado, Tais
      Agradeço-lhe pela visita ao Blog. Sua avaliação é importantíssima. Um cordial abraço. Augusto Aguiar.

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