Ainda criança, eu não entendia,
mas tinha imenso fascínio pelo poder que minha mãe tinha para enfiar o mar
dentro de uma concha para eu ouvi-lo. No momento certo, ela o tirou de lá e me
ensinou o que aconteceria, daí pra frente, fora da concha.
Minha infância foi
maravilhosa. Não por tudo o que tive nela, mas porque minha mãe, dona Clara,
ensinou-me a buscar o que me faltava. Preparou-me com mestria para embrenhar-me pelo cipoal dos
desafios (por mais lenhoso que fosse).
Ainda menino, quanto mais
alto minha pipa subia, a linha ficava com mais força. Com isso, antes do
catecismo, aprendi que lá em cima há Algo com uma força inigualável. Quem
empina pipa sabe disso. Quem não empina, já ouviu falar. Aqueles com raciocínio
cartesiano não acreditam. Eu prefiro acreditar. Essa foi, entre milhares, outra
lição que aprendi com minha mãe.
A exemplo de toda mulher, tinha uma
queda pelas flores. Muitas vezes, na impossibilidade de um presente, eu colhia
flores pra ela. Naquele tempo, minhas moedas ainda eram de chocolate, não davam
para comprar nada. No entanto, o buquê de flores é um esteio emocional para
quem o dá e para quem o recebe. Quando recebido de uma criança, adquire uma
dimensão sagrada. Nessas horas, esse era o sentimento de minha mãe.
Ela faleceu no dia 10/11/17,
às 16h28min. Na solidão do velório, durante a madrugada do dia 11, lembrei-me
de muitos fatos, desde meu tempo de criança, que vivemos juntos.
Entre muitas coisas, lembrei-me desta
passagem mais recente: “Quem é aquele homem que fica ali escrevendo o dia
todo?” – ela perguntava nos últimos anos. Essa foi minha maior tristeza como
escritor amador. E como filho também. Imaginava: “Quando teria sido a última
vez que ela me olhou consciente?”.
Filho único, instaura-se em minha vida uma
tristeza medular, maior do que qualquer outra: sua ausência física definitiva. A realidade exige a presença. Como a realidade ficou
para trás, passo a conviver com as lembranças, ou seja, o tempo psicológico.
Este é a sucessão dos estados internos de uma pessoa. Sendo assim, daqui para
frente, quer seja durante o dia, quer seja durante a noite (na insônia de um adulto), ela estará em meu pensamento.
Que maravilha de texto , Augusto. Voce conseguiu transpor em palavras a emoção de uma vida inteira em comunhão. Voce é o filho que toda mãe tem orgulho de ter . Parabéns. Não consigo inserir meu nome aqui , mas não sou anônima em nada do que faço. Um abraço. Fernanda Junqueira
ResponderExcluirObrigado, Fernanda. Dê um abraço no Murilo.
ResponderExcluirCaro Augusto, linda sua crônica, sentimento de filho amoroso e com enorme gratidão, é o que vi. Parabéns.
ResponderExcluirMuito obrigada pela visita no Das Artes. Tenho outro blog de minhas crônicas, poesias de seara alheia e variedades:
http://taisluso.blogspot.com
Um abraço!
Obrigado, Tais
ExcluirAgradeço-lhe pela visita ao Blog. Sua avaliação é importantíssima. Um cordial abraço. Augusto Aguiar.