segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Júlio Briscesi: o professor de Física que explicou-me o Jesus histórico


Num primeiro momento, quem olhasse captava sobriedade nas feições do professor Júlio Briscese. Não dava outra. Aquela fisionomia e voz graves pareciam criar um abismo entre ele e a classe. No entanto, alguns detalhes desfaziam essa impressão: sua entrega à explicação da matéria, a educação no trato com sua clientela, os alunos. Nunca vi seu Júlio chamar a atenção de algum deles.
Desfeita a impressão inicial, podemos elencar outras características que os alunos passavam a constatar: a primeira, um pai educador e carinhoso; a segunda, um avô que sabe contar histórias (naquele tempo, ele ainda não tinha netos); a terceira, um tio paternal; a quarta, o professor que encanta os alunos. Esse era o verdadeiro Júlio Briscese, nosso professor de Física no Instituto de Educação Dr. Paraíso Cavalcanti, o ginásio do estado.
Durante algumas décadas (alternadamente), gerenciei a Agência Central dos Correios de Bebedouro. Residia no apartamento funcional que havia no primeiro andar do prédio. Algumas vezes, da sala da gerência da agência, outras, da janela da minha residência , via o professor em sua biblioteca. Ele morava em frente (bem na esquina). Seu maravilhoso local de estudo ficava num dos cômodos que davam para a Rua XV de Novembro.
Eu perdia preciosos minutos vendo-o estudar. Entre um cigarro e outro (o professor era um tabagista respeitável), ele devorava os livros. De vez em quando, nossos olhares cruzavam-se. Discretamente, eu disfarçava e voltava às minhas atividades.
Na mesma época, dei início a um estudo avançado sobre Albert Einstein, mas de um jeito autodidata. Estudava dois “Einstein”: o gênio da física e suas teorias e o filósofo e humanista. Neste último aspecto, pude aprofundar-me num diálogo entre ele e Tagore, famoso poeta hindu. Na ocasião, cada um puxou a sardinha para o seu lado: Einstein, ponderou. até certo ponto, pela Ciência; Tagore, pela fantasia poética.
Certo dia, tomei coragem e fui “tirar satisfações” com seu Júlio, a respeito desse assunto. Era noite, sentamo-nos num banco da pracinha dos Correios. Junto conosco, o vizinho e cunhado dele, além de meu grande amigo, o cirurgião-dentista Rubens Festoso, o Rubinho.
Expliquei tudo ao professor, inclusive a divergência do cientista e do poeta a respeito de Jesus. Depois de uma longa explicação, veio a síntese: “ Leia um livro chamado "Einstein - Reflexões Filosóficas", de Irineu Monteiro. Nele, constatará que Einstein aceitava a existência histórica de Jesus. Ninguém pode ler os evangelhos sem experimentar a atual presença de Jesus. Há um livro chamado Jesus, de Emil Ludwig sobre isso, mas é superficial. Mas quero que você entenda uma coisa: Jesus é demasiadamente colossal para a pena de um escritor.”
E acrescentou: "Considerando que era judeu, e para os judeus o Messias ainda não chegou, parece estranha a postura de Einstein em relação ao Jesus histórico. Mas essa era a postura dele."
Saí extasiado desse diálogo. Aquele professor, cujos ressonadores emitiam aquela voz grave, explicava com uma santidade incomum, apesar da matéria ser Física.
Caso não fui o único, fui um dos poucos a ter uma aula vip com ele.

Crédito das imagens: Eduardo Toller Reiff (Facebook(, via página Bebedouro em Foco.

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